O produto no projeto de sua embalagem
Certamente, qualquer projeto de embalagem deve iniciar com uma análise das características relevantes do produto a ser embalado. Num nível básico, são características evidentes: dimensões, peso, sensibilidades, periculosidades, valor. Cada uma dessas cinco considerações, porém, pode exigir uma análise mais ou menos complexa.
As dimensões do produto nem sempre são fáceis de determinar. Muitas vezes essa determinação pode estar associada a um estudo de minimização de dimensões e de posições admissíveis na embalagem. Minimizar as dimensões é importante para minimizar o tamanho da embalagem, o que afeta, obviamente, diversos custos. Quando o produto é constituído de diversas peças, como num jogo de copos de vidro por exemplo, o arranjo dessas peças na embalagem vai determinar as dimensões. Às vezes é possível colocar peças uma dentro da outra, ao menos parcialmente, como nos copos descartáveis, o que leva a grande redução do volume final. Em alguns casos, raros, a própria constituição física do produto pode ser alterada para que ocupe menos espaço. É o caso famoso das batatas fritas, que normalmente ocupam, junto com o ar, um grande volume nos saquinhos tradicionalmente usados. Quando alguém resolveu uniformizar a forma e as dimensões das fatias, de forma a poder compactá-las em um tubo, transformando, para isso, as batatas em uma pasta moldada em rodelas iguais, que então são fritas, conseguiu uma enorme redução de volume da embalagem, portanto grande redução de custos logísticos. Teve, porém, de mudar o nome do produto, por imposição judicial da concorrência. Em alguns casos, as dimensões do produto podem ser ajustadas, e até compactadas, por um dobramento adequado, especialmente em produtos têxteis. A desmontabilidade de certos equipamentos pode levar a uma diminuição de dimensões. A questão das posições admissíveis do produto na embalagem deve ser analisada. Líquidos, pastas ou pós não têm forma ou dimensões, mas um volume determinado. Pode ser importante, nesse caso, dimensionar a embalagem de forma que tenha a mínima quantidade de material. Muitas vezes o dimensionamento da embalagem é feito em função de um grupo de produtos. Veremos, mais adiante, como fazer esse dimensionamento geométrico.
O peso do produto é dado fundamental para o projeto da embalagem, pois vai afetar sua resistência e formas de movimentação e empilhamento. A posição do centro de gravidade deve, em muitos casos, ser bem conhecida. Voltaremos a esse ponto ao tratarmos da movimentação e do projeto de apoios e acolchoamentos.
As sensibilidades do produto requerem análise cuidadosa. Vamos iniciar com as sensibilidades mecânicas. A resistência à compressão distribuída, ou à compressão localizada, é um dado importante. Em muitos casos, o próprio produto pode suportar empilhamento e a embalagem não precisa ter tanta resistência. Certos produtos não admitem compressões localizadas, como um fogão com tampo de vidro (eu nunca entendi para que serve esse tampo, a não ser para dar mais trabalho ao projetista da embalagem e fazer o fogão ficar mais caro). Muitas embalagens logísticas devem admitir pessoas andando sobre elas, causando compressões localizadas, como vamos ver adiante, ao tratarmos dos testes. Outras características de resistência estrutural, como a esforços de cisalhamento, podem ter que ser estudadas (um fogão que tem pezinhos, por exemplo).
Análise mais complexa é a da sensibilidade a esforços dinâmicos. A resistência a choques, conhecida como fragilidade, deve ser estudada em diversos casos. Para que um produto sofra um dano por pulso de aceleração, é necessário que esse pulso tenha certa intensidade, medida pelo valor da aceleração de pico, e certa energia, medida pela área do pulso (aceleração x tempo), relacionada à velocidade do impacto. A forma de se determinar a fragilidade envolve ensaios normalizados, como os feitos no Laboratório de Embalagem do IPT. Pode ser usado um equipamento que aplica choques com intensidade e energia controladas, com pulso trapezoidal, ou determinar a intensidade do choque necessária para uma quebra em um ensaio de queda com embalagem dotada de acolchoamento com espessura variável. Este último procedimento é preferível quando a fragilidade depende da condição de apoio, portanto não é uma característica intrínseca do produto. Conhecida a máxima intensidade de choque (aceleração crítica) que o produto pode suportar, em cada posição de queda, pode-se fazer um projeto otimizado dos acolchoamentos e calços. A fragilidade é conceituada como o inverso da aceleração crítica, em cada direção e condição de apoio.
A sensibilidade a vibrações é determinada na mesa vibratória do laboratório. Determina-se a freqüência de ressonância de componentes do produto e se essa ressonância pode levar a um dano dentro de algum tempo. Essa freqüência é denominada “freqüência crítica” do produto. Verifica-se a ocorrência de choques entre componentes, ou se algum parafuso se solta, se alguma mistura de pós sofre separação dos componentes, se alguma peça sofre abrasão por atrito, etc.. Esses dados serão valiosos no projeto da embalagem, especialmente dos acolchoamentos.
Outra sensibilidade terrível é a referente às condições climáticas, essencialmente temperatura e umidade. A análise é feita em câmaras climáticas. A importância da temperatura é mais ou menos óbvia, mas quando esse problema existe, dificilmente se resolve com a embalagem: apela-se para a refrigeração no transporte e armazenamento. Algumas embalagens (para vacinas e hemoderivados, por exemplo) podem ter a função de manter o produto frio por certo tempo, com a ajuda de gelo. Às vezes o produto não pode esfriar demais, em contacto com o gelo — enfim, é preciso saber quais são os limites e tempos admissíveis. A questão da sensibilidade à umidade é mais complexa, visto que são diversos os tipos de danos que ela pode causar: mofo, corrosão, descolamento de peças, reações químicas do produto com a água (cimento, vidro plano, produtos que geram gases em contacto com água, por exemplo), variação de dimensões de peças (especialmente de madeira, que podem até rachar se a umidade ficar muito baixa).
Outras sensibilidades podem ser importantes, como a descargas eletrostáticas (produtos eletrônicos ou explosivos), ataques biológicos (alimentos), luz ou outras radiações.
Outro tipo de informação importante sobre o produto refere-se a sua eventual periculosidade. Isso é de tal forma grave que há normas internacionais (infelizmente cheias de erros, como veremos) regulando o assunto, especialmente as normas da ONU, IMO (International Maritime Organization), ICAO (International Civil Aviation Organization) e seus correspondentes nacionais. São classificados cinco níveis de periculosidade: não perigoso, baixa, média e alta periculosidade, e não transportável. São definidos dez tipos de periculosidade. Produtos magnéticos, que podem ser perigosos para a navegação aérea, não estão incluídos nesses dez. Um outro tipo de periculosidade refere-se à instabilidade e peso do produto, como bobinas de aço, que apresentam o risco de tombamento, exigindo embalagens adequadas e, principalmente, cuidados especiais no transporte (como veremos).
Alguns produtos têm sensibilidades biológicas. Um “produto” pode ser um animal valioso, que deverá ter condições bem estudadas e controladas de transporte, num avião, por exemplo.
Danos ocultos
Um problema complexo, que gostaria de lembrar em função de recentes estudos para seguradoras, é o de produtos, principalmente eletrônicos, virem a sofrer alguma pane alguns meses depois do transporte, instalação e início da operação. No transporte, esse produto sofreu vibrações e impactos que não causaram danos visíveis. Funcionam perfeitamente, mas por pouco tempo. A redução da vida útil do produto pode ser causada por fadiga ou plastificação alternada de algum componente, por sua vez causada pelas oscilações e vibrações ocorridas no transporte. O número de ciclos de tensão que leva à ruptura está, em parte, aplicado no transporte. Outra parte será aplicado na operação, mas serão menos ciclos, portanto menor vida útil. Esta também pode ser reduzida por efeito de impactos de certa intensidade, não suficientes para causar danos visíveis. Um impacto pode, por exemplo, levar à flexão de uma placa de circuito eletrônico que provoca uma fissura no verniz de proteção. A placa funcionará perfeitamente, mas sujeita a uma corrosão localizada que resultará em uma limitação da vida útil se o equipamento trabalhar em atmosfera corrosiva. Ou o choque pode prejudicar um contacto elétrico, gerando um ponto de aquecimento do circuito que levará a uma ruptura futura. Por isso, o fabricante de produtos eletrônicos deve submetê-los a um teste de vida após a aplicação normalizada de esforços por vibração e choque, além de exposição a condições climáticas críticas. Esses testes de vida são usuais em produtos de linha, mas raros naqueles produzidos por encomenda, como equipamentos hospitalares sofisticados, pois são testes demorados.
Finalmente, temos a questão do valor O valor do produto é determinado pela quantidade de trabalho média socialmente necessária para sua produção, ainda que isso seja mais ou menos impossível de contabilizar com precisão, pois se trata de trabalho abstrato. É claro que o projeto da embalagem terá que ser muito mais cuidadoso quando se trata de produto de alto valor, com requisitos de desempenho muito mais severos (testes de queda, por exemplo, como veremos). Deve haver cuidados especiais de proteção contra o roubo, e aí a embalagem tem pouco a fazer, mas tem.
Relembramos aqui o fato de que é, sempre que possível, valiosa a colaboração entre o projetista do produto e o da embalagem. O projetista é, geralmente, uma equipe que pode envolver cientistas, pesquisadores e engenheiros de desenvolvimento, arquitetos do produto (designers, num sentido peculiar do termo), técnicos e engenheiros de produção, etc.. Essa interação fica, portanto, muito complexa, além de envolver fornecedores e aspectos comerciais, mas o gerenciamento desse desenvolvimento deve procurar a otimização. Muitas vezes o problema não é complexo, mas implica uma restrição de projeto a ser estabelecida. Se, por exemplo, uma máquina, ou linha de máquinas, é projetada prevendo-se sua exportação, é ideal que tenha dimensões compatíveis com as do contêiner, mesmo que parcialmente desmontada (de um trator agrícola tirar as rodas, por exemplo).